VOTO DE CONDENAÇÃO ÀS OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA, AO RACISMO E À XENOFOBIA
Divulgada em direto através das redes sociais e posteriormente tornada notícia nos massmedia, a bárbara e chocante ocorrência registada nas ruas de Olhão que vitimou, por agressão e roubo, um jovem trabalhador imigrante de nacionalidade nepalesa, perpetrada por um grupo ou “bando” também de jovens, desta feita olhanenses, merece o mais veemente repúdio, indignação e condenação pela parte das instituições democráticas eleitas, particularmente as relacionadas com o poder autárquico local. Tal condenação não pode todavia obviar a necessária e urgente reflexão que é indispensável a um combate efetivo e estrutural a tais manifestações de ódio, xenofobia e racismo que infelizmente se tornam cada vez mais visíveis nas sociedades globais contemporâneas.
No nosso entender, para além de analisar e atuar na dimensão dos comportamentos individuais ou de pequeno grupo, na sua prevenção e vigilância e na instauração de processos que condenem atos de ódio e de crime, será premente entender o fenómeno subjacente da violência e abuso na sua componente social – são comportamentos desviantes que se repetem e generalizam, relacionados com causas complexas nas interações e representações sociais quotidianas e nas políticas urbanas e de marginalização social e económica, assim como na desregulação, inoperância ou desajustamento de processos legais ou de políticas de inclusão que deveriam pugnar pela fiscalização do cumprimento de direitos humanos nas mais variadas áreas ou pela educação comunitária aliada a projetos de participação para a multiculturalidade e para a inclusão.
O problema, de natureza mais estrutural do que pontual, deve procurar explicações no terreno das representações e das práticas dos grupos ou bandos agressores, da exclusão social das vítimas e no relacionamento entre atores sociais e estruturas sociais.
Investigações e dados demonstram que a xenofobia e racismo resultam da crise de valores como ideais de bem, acelerada pelo culto do individualismo, consumismo, materialismo, competição e agravamento das desigualdades típicas das sociedades contemporâneas – a insegurança, o medo, a desconfiança para com quem é diferente, são causas do preconceito, do estereótipo e dos rótulos simbólicos que estigmatizam, perseguem e agridem as minorias culturais, mais frágeis em estatuto, em reconhecimento, em consciência de direitos e em protagonismo social. Tal processo deliberado de exclusão envolve as práticas de socialização dos jovens, cada vez mais enraizadas numa aprendizagem formatada em equipamentos tecnológicos sem filtro que desenvolvem redes de comunicação aleatórias que reproduzem deliberadamente ideologias e informações falsas, manipuladoras e de conflito gratuito, estímulo virtual para “provas de heroísmo e de enganador poder” que acabam por deflagrar nos rings da vida quotidiana. É também a constatação de que o imediato ou a imagem se sobrepõem aos padrões educativos mais ou menos formais (escola, movimentos associativos, instituições sociais) que procuram alguma reflexão, conhecimento ou o conteúdo.
Outra dimensão explicativa com razões mais estruturais prende-se com a marginalização social que muitas vezes afeta simultaneamente vítimas e agressores, apesar de em graus de intensidade diferenciados. A exploração no trabalho, o desemprego ou o emprego precário que cria a revolta diária da luta pela subsistência, as frustrações ou desilusões relacionadas com a impraticabilidade de vocações, realizações ou projetos de vida, os quadros de violência doméstica e de dependências inerentes, a ausência ou as más condições de habitabilidade e de salubridade, a segregação espacial e a gentrificação que acabam por legitimar uma política urbana de ghetto, onde se reproduzem práticas e rituais marginais que originam os bandos, são por vezes fatores comuns. Mas a marginalização das minorias culturais será sempre mais profunda, alvo ou “saco de boxe” dos iguais que não desenvolvem a consciência coletiva da responsabilidade política pelas desigualdades e que elegem os “mais frágeis, estranhos e diferentes” como bodes expiatórios da sua condição. De salientar aqui o peso da deslocação muitas vezes forçada das culturas de origem e do seu grau de proteção, o constrangimento da língua e dos novos hábitos do país de acolhimento, a sujeição aos tráficos de migrantes em relação estreita com a escravatura e a inibição da dignidade e da liberdade de expressão e de reivindicação de direitos, a imposição de regimes de trabalho e de alojamento desumanos desenvolvidos por empresários e proprietários locais que exploram a fragilidade e as impossibilidades de alternativa a este tipo de fixação, a sujeição a processos burocráticos de licenças de permanência mesmo quando se detetam evidências de efetivação de descontos para a segurança social.
Numa análise mais local, observamos e constatamos (nem que seja pelos dados de entrevista que integraram as reportagens recentes e pelo destaque dado pela Presidência da República ao acontecimento) que tais processos de marginalização e de exclusão, manifestados em representações e práticas de ódio, racismo e xenofobia, mas também na crescente conflitualidade, marginalidade (muitas vezes associada às situações de toxicodependência, mas ao mesmo tempo resultante de situações de pobreza agravada pela pandemia e pela inflação), cada vez são mais evidentes. No nosso entender, são problemas sociais de natureza global mas que são agravados por políticas autárquicas locais desajustadas e desligadas de intervenções estruturais que, em articulação com outros agentes de desenvolvimento, promovam o bemestar e a cidadania. Quando a orientação política se centra na captação de investimento e no crescimento do mercado turístico liberalizado (com efeitos na degradação da economia local tradicional, na desregulação do mercado imobiliário e na segregação dos espaços urbanos – a imagem do centro atractivo; o “varrer” dos problemas das comunidades para as periferias de modo a não perturbar a “marca da oferta”), quando esgota as preocupações sociais na renovação e na fiscalização de equipamentos ou no assistencialismo efémero e pontual, sem a preocupação de médio/longo prazo de aprofundar redes de intervenção comunitária, informativa e educativa (projetos de investigação-ação com escolas, movimentos associativos, IPSS’s, estímulo ao emprego que convoque pequenas e médias empresas locais; prioridade na criação de atividades de cidadania, lúdicas e de cooperação/solidariedade que revitalizem os bairros sociais numa perspetiva de apoio ao protagonismo local e aos anseios dessas comunidades), as identidades e os valores entram em crise e agudizam-se os problemas sociais e as manifestações de insatisfação, intolerância, ódio e desrespeito pelas instituições e valores democráticos e pelos direitos humanos.
Assim, o deputado municipal do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia Municipal de Olhão, na sua sessão ordinária de 16 de Fevereiro de 2023, delibere:
1. Aprovar o presente “Voto de Condenação”;
2. Manifestar à vítima da agressão, aos seus familiares, as mais sentidas desculpas, condenando atitudes e práticas xenófobas e racistas;
3. Sensibilizar a opinião pública para a necessidade de repudiar e condenar atos deste tipo, na linha da defesa dos direitos humanos e do respeito pelas diferenças (multiculturalidade) – utilizar o boletim municipal e os sites oficiais adequados;
4. Criar um observatório local, com parcerias em rede (câmara municipal e juntas de freguesia, escolas, associações de encarregados de educação, movimentos associativos, empresas locais, IPSS’s, associações governamentais, não governamentais e da sociedade civil ligadas à defesa e inclusão dos imigrantes e das minorias étnicas), de modo a delinear objetivos prioritários e estratégias, a convocar recursos técnicos e humanos, a calendarizar ações, com vista ao desenvolvimento de medidas de intervenção adequadas e eficazes para combater o problema.
Olhão, 16 de Fevereiro de 2023
O Deputado Municipal do Bloco de Esquerda, Marco Mattos
MOÇÃO
PROMOVER A ESCOLA PÚBLICA E O RESPEITO PELOS DIREITOS DOS PROFESSORES
A Escola Pública é um dos pilares da democracia. É ela que concretiza o direito constitucional à Educação e fortalece a cidadania. A ampliação da Escola Pública a todo o território e o alargamento da escolaridade obrigatória foram tarefas cumpridas por gerações de profissionais da educação que, às portas dos 50 anos do 25 de Abril, veem degradar-se as suas condições de trabalho.
Os sinais dessa degradação são conhecidos. Todos os anos há milhares de alunos sem professor a pelo menos uma disciplina. A desvalorização da carreira docente, a persistência da precariedade e de regras de concursos que provocam instabilidade e permitem injustiças têm feito milhares de docentes abandonar a profissão e poucos são os jovens que se sentem atraídos pela docência.
Ao longo dos anos, o Governo tem-se recusado a tomar medidas justas de valorização da carreira docente, como a recuperação de todo o tempo de serviço dos professores e a necessária negociação com os representantes dos docentes para a criação de um novo regime de recrutamento e mobilidade. O Governo foi impondo regras avulsas que criaram ainda mais entropia num sistema que já é uma manta de retalhos.
De forma também avulsa e sem ouvir as comunidades educativas, o Governo tem empurrado para as autarquias competências em matéria de Educação. Recentemente a Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/2022, 14 de dezembro de 2022 apareceu como mais uma peça desta reforma da Educação feita de costas para os trabalhadores e para a população. O Governo criou o espectro de uma maior centralização de decisões nos municípios, em comunidades intermunicipais e em supostos conselhos de diretores. A resposta dos docentes tem sido forte, em múltiplos protestos em defesa da sua profissão e da Escola Pública.
Os processos de municipalização e de regionalização da educação são propícios à atomização dos sistemas educativos, criando assimetrias territoriais. A crítica destes processos não é medo da mudança, é defesa do direito à Educação em todo o país. Um processo de descentralização feito no interesse da Escola Pública, não seria uma municipalização, começaria pelas Escolas, pelo reforço da Gestão Democrática das Escolas. São as Escolas quem pode assumir competências adequadas à escala de cada comunidade educativa, são elas quem se pode responsabilizar pelo seu projeto educativo e pela implementação local das políticas educativas.
O reforço da Escola Pública exige a defesa da Gestão Democrática das Escolas, o combate à precariedade e a valorização da carreira docente. É urgente vincular os docentes precários, recuperar o tempo de serviço dos docentes, eliminar ultrapassagens, garantir horários adequados, criar um sistema de avaliação e progressão sem injustiças, instituir um mecanismo de aposentação que responda às especificidades da profissão e que garanta o rejuvenescimento do corpo docente. Respeitar os direitos dos professores é fortalecer a Escola Pública, é fortalecer a democracia.
Assim, a Assembleia Municipal de Olhão, reunida em 16 de fevereiro de 2023, delibera, ao abrigo do artigo 25.º, n.º2, alíneas j) e k) do Anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro:
1. Recomendar ao Governo que proceda à recuperação de todo o tempo de serviço dos docentes, garantindo a todos os docentes o seu posicionamento no escalão remuneratório correspondente ao tempo efetivamente prestado, em conformidade com os requisitos estabelecidos no Estatuto da Carreira Docente.
2. Recomendar ao Governo que reveja, mediante negociação sindical, o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho.
3. Recomendar ao Governo que crie, mediante negociação sindical, um regime específico de aposentação dos docentes de forma a garantir o término de atividade num tempo justo e a assegurar o rejuvenescimento do corpo docente.
Olhão, 16 de Fevereiro de 2023
O Deputado Municipal do Bloco de Esquerda, Marco Mattos