ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE 29.10.2020
OS DEPUTADOS MUNICIPAIS ELEITOS PELO BLOCO DE ESQUERDA, vêm ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 58º da Lei 75/2013 requerer a consignação em ata das razões justificativas do seu voto no que se refere à proposta apresentada pela Câmara Municipal sob o nº 272/2020 “Delimitação da área da reabilitação urbana do Levante e respetiva operação de reabilitação urbana”:
Sendo decisivos instrumentos de política urbana e definição de áreas de reabilitação urbana (ARU) e das correspondentes operações de reabilitação (ORU), com consequências impactantes na estrutura, modos de vida e desenvolvimento sustentável da cidade, considera-se que:
A) O papel do município no processo operativo de reabilitação urbana, longe de cumprir o desígnio do serviço público e de promover a qualidade de vida das populações, da atenuação das desigualdades sociais e da justiça social, envereda pela perspetiva liberal de “poder local mínimo” com centralidade na captação de investimento e da gestão compartilhada com o setor privado e respetivas parcerias, não incluindo medidas de revitalização de modos de vida ou de arrendamento acessível, também “invade”, qual eucaliptal, o setor das pescas e atividades afins, da indústria conserveira, vocação histórico-geográfica que permitiu o crescimento e fundação da cidade;
B) Por outro lado, em face ao que se consegue alcançar do documento, perde-se oportunidade, tendo em conta o número de antigas fábricas e armazéns ligados à indústria conserveira – inegavelmente a atividade propulsora do crescimento e desenvolvimento de Olhão - existentes na área a reabilitar, de se apostar na praticamente esquecida vertente cultural, mormente através da criação de um museu relativo não só àquela indústria, mas também à atividade piscatória. De facto, o Município de Olhão poderia ter optado, tendo em conta o limitado investimento que para si resulta desta intervenção, investir na instalação de um museu que homenageasse e perpetuasse a memória daquelas atividades e de todos quantos nelas laboraram, dando à zona do levante um novo dinamismo, com vertente claramente cultural (incluir-se-ia, afinal, na mesma zona onde se situa o AMO) ar dotar aquela zona de uma relevante componente cultural (de resto bastante deficitária na cidade de Olhão) àquela zona da cidade. A este propósito, tomamos a liberdade de referir, a título de exemplo, o magnífico edifício da conhecida “Vila Majuca”, que tendo em conta as suas características e dimensões, se perfila como uma eventual localização para uma instalação daquele tipo;
C) O plano proposto, à semelhança dos já apresentados para outras áreas de cidade, perfila-se como claramente redutor, intervindo numa conceção restrita da reabilitação, traduzida na dimensão física do edificado, esquecendo deliberadamente o significado total de património histórico vivido relacionado com a cultura e identidade (dimensão dos modos de vida e das manifestações culturais e económicas tradicionais locais) ; o verdadeiro intuito é a especulação imobiliária e captação do investimento privado relacionado com o edificado recuperado para fins turísticos ou de reocupação pelos mercados imobiliários, apresentando-se estratégias de “venda forçada” e “expropriação administrativa” e nunca estratégias de luta contra a gentrificação ou de incentivo às economias locais (linhas de atuação centradas na viabilidade económica, sustentabilidade física e ambiental e coesão social e cultural). Assistimos, mais uma vez, à defesa e implementação de uma política urbana assente em valores de segregação espacial e social, a qual se estabelece em função dos interesses e poderes económicos;
D) Sem uma visão global e sustentável que promova a função residencial e um maior investimento na qualidade de vida e na fixação da população residente naquela área, este instrumento essencial de planeamento e desenvolvimento local poderá gerar efeitos secundários perversos, favorecendo de forma desequilibrada a iniciativa privada e negligenciando a tomada de medidas equitativas e corretivas;
E) Por outro lado, e mais uma vez, a presente proposta persiste na exclusão do edifício sito na Avenida da República, nrs. 12, 14 e 16, construído no século XIX pelos Conde d'Alte, onde nasceu em 1893 o Ilustre cidadão Olhanense Dr. Luiz Bernardino da Silva e onde em 1932 foi instalada a sede da emblemática agremiação desta cidade - Sociedade Recreativa Olhanense. Em face da exclusão deste edifício da ARU da zona histórica, tinha agora a Câmara Municipal a oportunidade de a incluir na delimitação da ARU do levante, por forma a corrigir a injustiça resultante daquele facto, fazendo incluir na delimitação aquele que é um dos poucos edifícios históricos e culturalmente relevantes da nossa cidade.
Pelos motivos acima expostos, se votou contra.
Os Deputados do Bloco de Esquerda
Helga Viegas
Marco Mattos